RESUMO

Este artigo discute a resistência e os desafios enfrentados pela justiça brasileira na adoção da Inteligência Artificial (IA), destacando episódios polêmicos e a importância de equilibrar inovação com prudência e ética. Examina-se a cautela do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em casos recentes envolvendo o uso indevido de IA, além de refletir sobre erros judiciais históricos não relacionados à tecnologia, enfatizando que os problemas do sistema judiciário não são novos. O artigo argumenta a favor da IA como uma ferramenta de aprimoramento do sistema judiciário, promovendo maior eficiência, precisão e acessibilidade, sem substituir o julgamento humano. Conclui-se que a integração cuidadosa da IA pode transformar positivamente a justiça brasileira, desde que alinhada aos princípios de justiça e ética, e que a comunidade jurídica deve abraçar a inovação mantendo os valores fundamentais do direito.

Palavras-chave: Inteligência Artificial, Justiça Brasileira, Inovação, Ética, Sistema Judiciário, Transformação Digital, Erros Judiciais.

INTRODUÇÃO

A justiça brasileira, historicamente marcada por sua complexidade, lentidão e custos elevados, enfrenta o desafio de se adaptar à era da transformação digital. Recentemente, a aplicação da Inteligência Artificial (IA) no direito tornou-se objeto de debate intenso, alimentado por episódios polêmicos e a resistência institucional à inovação. Este artigo examina a aversão ao uso da IA na justiça, contrastando-a com a resistência anterior à adoção de computadores e internet, e argumenta em favor da integração da tecnologia como ferramenta de aprimoramento do sistema judiciário, sem desprezar a importância da prudência e do

respeito às normas éticas e à dignidade das profissões jurídicas.

REFLEXÃO HISTÓRICA: DA RESISTÊNCIA À ACEITAÇÃO DA TECNOLOGIA

Recentes eventos, como a investigação de um juiz pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por utilizar jurisprudência fictícia gerada por IA em uma decisão judicial.

E a multa aplicada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a um advogado por litigância de má-fé ao empregar a IA em uma petição, ilustram o cenário de cautela e até mesmo resistência em relação à IA no direito brasileiro.  

Estes casos não apenas sinalizam desafios éticos e práticos inerentes à adoção da IA, mas também reacendem o debate sobre inovação versus tradição no âmbito jurídico.

De fato, o uso de jurisprudência inexistente, e, portanto, falsa, além de se constituir em ato de má-fé processual, violação ao art. 5° do Código de Processo Civil (CPC) – por quem quer que a pratique – pode até caracterizar o ilícito penal do art. 299 do Código Penal Brasileiro (CPB), apenas no caso do juiz e não no do advogado, uma vez caracterizado o dolo necessário, afinal, sentença é documento público. Daí porque acreditamos na justeza da providência do CNJ em investigar antes de se pôr a punir.

Ao propósito com acerto leciona Nucci:

[…] Petição de advogado: não é considerada documento, para fins penais. Na realidade, o documento é uma peça que tem possibilidade intrínseca (e extrínseca) de produzir prova, sem necessidade de outras verificações. […] Elemento subjetivo do tipo: é o dolo, mas se exige o elemento subjetivo específico, consistente na vontade de “prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”. Dessa forma, a falsificação que não conduza a qualquer desses três resultados deve ser considerada penalmente indiferente. Não se pune a forma culposa.”

Nucci, Guilherme de Souza

Contudo, relativamente ao segundo caso, ao da condenação do advogado e parte ao pagamento de multa por litigância de má-fé por usar Inteligência Artificial na redação de petição, entendemos tratar-se de verdadeiro exagero.

A uma porque as sanções aplicáveis à litigância de má-fé reservam-se apenas às partes do processo, ao teor do que dispõe o art. 142 do CPC.

Ao propósito o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu:

AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. ALEGADA AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 7/STJ. CONDENAÇÃO DO ADVOGADO POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. IMPOSSIBILIDADE. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula n. 7/STJ). 2. As penas por litigância de má-fé, previstas nos artigos 79 e 80 do CPC de 2015, são endereçadas às partes, não podendo ser estendidas ao advogado que atuou na causa, o qual deve ser responsabilizado em ação própria, consoante o artigo 32 da Lei 8.906/1994. Precedentes. 3. Agravo interno parcialmente provido.

Superior Tribunal de Justiça

E por favor, esse julgado – sim – é verdadeiro!

A duas porque, tendo as partes escolhido seus respectivos patronos, talvez nem ao menos imaginassem que os tais pudessem lançar mão de tão disruptiva ferramenta de peticionamento: a Inteligência Artificial. 

E a três porque houvesse o advogado cometido qualquer irregularidade em seu exercício profissional, cumpriria ao julgador oficiar ao Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Seccional de inscrição do causídico.

REFLEXÃO HISTÓRICA: DA RESISTÊNCIA À ACEITAÇÃO DA TECNOLOGIA

A história da justiça brasileira é repleta de casos que ilustram falhas judiciais graves, resultando em injustiças profundas e destruição de vidas, sem qualquer relação com a tecnologia.

Onde estava a Inteligência Artificial no famoso Caso dos Irmãos Naves, ocorrido em 1937, em que os irmãos Joaquim e Sebastião Naves foram injustamente acusados de homicídio e passaram mais de 8 anos na prisão até a suposta vítima aparecer viva? Lá não estava!

Onde estava a Inteligência Artificial durante a prisão de Marcos Mariano da Silva, ocorrida em 1973, em que o referido mecânico pernambucano foi preso por ser confundido com um homicida de nome similar, e, por isso, passou 19 anos de sua vida na prisão; perdeu a visão devido a estilhaços de uma granada durante uma rebelião, e ainda faleceu de infarto pouco tempo após ser libertado? Não, lá não havia Inteligência Artificial!

Onde estava a Inteligência Artificial em 1997, quando Wagno Lúcio da Silva foi preso e posteriormente condenado a 24 anos de reclusão por um latrocínio que não cometeu, tendo passado mais de 8 anos na cadeia antes de ser absolvido e só então poder buscar do Estado o “ressarcimento” pelos danos sofridos? Não senhores, também lá ainda não havia Inteligência Artificial!

E onde estava a Inteligência Artificial no ano de 2001, quando Fabiano Ferreira Russi foi preso, injustamente, diga-se de passagem, após ser identificado erroneamente em álbum fotográfico da polícia como um dos criminosos participantes de um assalto ocorrido em Taboão da Serra, São Paulo, tendo ele ficado preso por quatro anos inteiros? Não, ainda não se cogitava de Inteligência Artificial nessa época!

E em 2002, quando Valdimir Sobrosa foi preso e assim ficou por onze anos e oito meses sem julgamento, período após o qual foi inocentado da acusação de homicídio, onde estava a Inteligência Artificial? Não estava lá, definitivamente!

Onde estava a Inteligência Artificial no ano de 2003, quando Heberson Lima de Oliveira, foi acusado injustamente de estupro e por isso cumpriu pena por 3 anos em Manaus-AM, tendo contraído HIV após ser estuprado na cadeia? Não senhores, mais uma vez, a Inteligência Artificial nada teve a ver com isso!

Agora vamos dar um salto no tempo, vamos direto para 2024, como se nada de errado houve acontecido nesse ínterim…

Onde estava a Inteligência Artificial quando a idosa Francisca Alves Feitosa dos Santos de 77 anos foi presa no Maranhão, após erro da Justiça de Rondônia; tendo passado ‘a noite sentada em cadeira e sem comida’, por suposto crime de tráfico de drogas? Crime esse que nunca cometeu!

E por último, o único caso hilário: Onde estava a Inteligência Artificial quando policiais militares do Paraná confundiram com o réu o próprio juiz que expediu o mandado de prisão? Também ali ela, a Inteligência Artificial, não estava.

Esses tristes episódios reforçam a necessidade de melhorias substanciais no sistema judiciário brasileiro, destacando que sua ineficiência e ineficácia não são produtos da era digital, mas sim problemas enraizados que requerem soluções inovadoras, legais, porém, disruptivas.

A outrora verificada resistência inicial ao uso de computadores e internet no direito reflete um padrão de ceticismo em face das mudanças. Contudo, com o tempo, essas tecnologias foram não apenas aceitas pelos profissionais do direito, mas também integradas essencialmente nas práticas jurídicas, transformando a maneira como o direito é estudado, praticado e administrado. Este padrão histórico de adaptação tecnológica sugere que a atual aversão à Inteligência Artificial pode ser superada de maneira similar, enfatizando a importância de uma abordagem equilibrada que reconheça tanto os riscos quanto os benefícios da referida inovação.


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A IA COMO FERRAMENTA DE APRIMORAMENTO, NÃO DE SUBSTITUIÇÃO

O debate sobre a IA no direito não deve ser reduzido a uma escolha binária entre rejeição total e aceitação incondicional. Em vez disso, é essencial reconhecer a Inteligência Artificial como ferramenta capaz de aprimorar a eficiência, a precisão e de melhorar a acessibilidade da justiça, enquanto se mantêm vigilantes julgadores e servidores relativamente aos riscos e desafios éticos que acompanham sua implementação. 

A IA pode auxiliar na análise de grandes volumes de dados, na identificação de precedentes relevantes ainda na sugestão de argumentos jurídicos, dentre outras aplicações. No entanto, a decisão final deve sempre recair sobre o julgamento humano, especialmente em questões de interpretação legal e aplicação da justiça, respeitando a dignidade das profissões jurídicas e a inalienável responsabilidade humana na tomada de decisões. Aliás, diga-se de passagem, a palavra sentença deriva da palavra sentir, e isso, ao menos por ora, a Inteligência Artificial é mesmo incapaz de fazer.

Contudo, parece que agora, para alívio de assessores e estagiários, a Inteligência Artificial foi tomada por novo bode expiatório de julgadores que não se dão ao maçante trabalho de ler suas próprias decisões.

Perguntas e Respostas

  • Como a IA pode melhorar a eficiência do sistema judiciário?
    • A IA pode analisar grandes volumes de dados e identificar precedentes relevantes rapidamente, aumentando a eficiência do processo de tomada de decisão.
  • Quais são os desafios éticos da IA na justiça?
    • Incluem o uso responsável de dados, a preservação dos direitos humanos e a garantia de que a IA complemente, e não substitua, o julgamento humano.
  • A IA pode substituir advogados e juízes?
    • Não. A IA é uma ferramenta para auxiliar profissionais do direito, mas não pode substituir a complexidade e o discernimento humanos nas decisões judiciais.
  • Qual é o papel da formação e educação na integração da IA no direito?
    • A formação é crucial para que os profissionais do direito compreendam as capacidades e limitações da IA, garantindo seu uso ético e eficaz.
  • Como a IA pode ser regulamentada no setor jurídico?
    • Através do desenvolvimento de diretrizes éticas e padrões de prática que orientem o uso responsável e eficaz da IA no sistema jurídico.

“Entenda que a Inteligência Artificial não vai te substituir, mas um advogado usando uma vai!”

LAWX

Conclusão

A justiça brasileira, ao confrontar o advento da IA, encontra-se em um momento crucial de sua evolução. A resistência inicial à inovação, embora compreensível dada a complexidade ética e prática envolvida, não deve impedir a exploração criteriosa do potencial da IA para aprimorar o sistema judiciário. 

Assim como as transições anteriores para a informatização e a digitalização do direito, a integração da IA deve ser acompanhada de debates robustos, regulamentações cuidadosas e um compromisso firme com a ética e a justiça.

É imperativo que o sistema judiciário brasileiro adote uma postura proativa na avaliação e implementação da IA garantindo que seu uso esteja alinhado com os princípios de justiça, equidade e respeito aos direitos humanos. A educação contínua dos profissionais do direito sobre as capacidades e limitações da IA, juntamente com o desenvolvimento de diretrizes éticas claras, são passos essenciais para mitigar os riscos e maximizar os benefícios dessa tecnologia disruptiva.

Ao refletir sobre os erros históricos da justiça brasileira, torna-se evidente que o problema central não reside na tecnologia, mas nas falhas humanas e sistêmicas. Portanto, a solução não deve ser a rejeição da inovação, mas sim a adoção criteriosa da tecnologia como uma aliada na busca por uma justiça mais ágil, acessível e, acima de tudo, justa. A integração da IA no direito, quando conduzida com prudência e responsabilidade, tem o potencial de transformar positivamente a justiça brasileira, aproximando-a do ideal de eficiência e eficácia tão almejado pela sociedade.

Este artigo, portanto, conclama a comunidade jurídica a abraçar a era digital com uma mentalidade aberta e inovadora, sem perder de vista os valores fundamentais que devem orientar a prática do direito. A história nos mostra que a resistência à mudança é uma constante, mas também que a adaptação e a evolução são inevitáveis e, muitas vezes, benéficas. A inteligência artificial no direito não é uma ameaça, mas uma oportunidade para reformular o futuro da justiça brasileira.

É por tais razões que, voluntária e gratuitamente, dedicamos boa parte de nossas horas vagas, não tão vagas assim, e também os nossos mais árduos esforços no aperfeiçoamento de ferramentas jurídicas de Inteligência Artificial, cooperando orgulhosamente com a Law-X, que tem por meta a evolução científica e tecnológica das profissões jurídicas no Brasil e no mundo.

Agradecimento Final:

Obrigado por ler! Esperamos ter esclarecido como a IA está transformando o sistema legal. Compartilhe, pois assim você nos ajuda a espalhar mais informações sobre Inteligência Artificial para advogados!

Sobre o Autor – Wesley Correa Carvalho

Wesley Correa Carvalho é um Estudioso do Direito especialista em Inteligência Artificial cuja vasta experiência jurídica tem sido fundamental para o aprimoramento das ferramentas oferecidas pela LawX. Analista Judiciário e Oficial de Justiça Avaliador, sua carreira é marcada por um compromisso inabalável com a excelência. Ex-Secretário de Planejamento e Assessor de Juízo, ele possui uma prática jurídica enraizada tanto na esfera administrativa quanto na advocacia. Wesley é graduado em Direito com multiplas capacidades curriculares, trazendo seu conhecimento especializado em Direito Processual Civil e uma perspectiva global única através de seu mestrado em Criminologia pela UCES de Buenos Aires. Completando sua impressionante formação, ele tem contribuições valiosas no meio acadêmico e editorial, atuando como membro do Conselho Editorial da Editora Letras Jurídicas, de São Paulo-SP.

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